
✉️ Uma carta da infância para os dias de hoje
Hoje escrevo com o coração cheio de gratidão, saudade e amor. Esta carta é uma forma de eternizar tudo o que aprendi contigo — e de compartilhar com o mundo o quanto tua presença moldou quem sou.
Uma casa sempre aberta

Morávamos em Surubim, uma pequena cidade do interior de Pernambuco. Nossa casa ficava perto de um terreno onde os circos se instalavam quando passavam pela cidade. Naquele tempo, o circo era um verdadeiro espetáculo — e para mim, uma lembrança viva da infância. Eu fecho os olhos e ainda sinto o cheiro da pipoca, ouço a música típica e vejo as lonas coloridas balançando com o vento.
O encanto do circo e o acolhimento invisível

As famílias circenses viviam com pouco. Muitas vezes, precisavam de água, comida ou um espaço para lavar roupas. A nossa casa era uma parada certa. Eu não entendia bem por que tanta gente procurava nosso lar, mas hoje sei: era porque ali havia acolhimento de verdade, sem julgamentos.
Diversidade vivida com naturalidade

Lembro de duas mulheres que eram um casal. Eu era pequena e não sabia nomear o que as tornava “diferentes” aos olhos dos outros. Meus irmãos perguntaram quem eram, e sua resposta foi simples, serena e amorosa. Não houve crítica, nem espanto. Apenas respeito. Talvez você nem soubesses explicar exatamente, mas o seu gesto ensinou tudo o que precisávamos saber. Cresci vendo nossa casa cheia de gente diferente. Gente rica, gente simples, jovens, pessoas da comunidade LGBTQIA+, todos tratados com a mesma dignidade. Sempre me perguntam por que me posiciono com tanta naturalidade sobre temas ligados à comunidade LGBTQIA+. E a resposta é simples: porque fui ensinada a respeitar. Falar sobre diversidade não “influencia” ninguém — influencia apenas no sentido de tornar o mundo mais justo e acolhedor. Tua lição foi clara: cada um tem o direito de ser quem é.
você, com simplicidade e leitura limitada, foste uma educadora nata — ensinaste pelo exemplo. E que exemplo!
O bolinho de feijão e o amor no prato

Ah, mãe… e aquele bolinho de feijão? A mistura de feijão, farinha e carne seca que tu amassavas com as mãos e servias com vergonha, achando que era pouco. Não sabias que ali estava o amor na forma mais simples e generosa. Não era só comida — era afeto, partilha e cuidado.
Teu legado vive em mim

Hoje sou psicóloga. Escolhi essa profissão porque aprendi contigo a escutar com o coração. Não julgar. Ver o ser humano para além das aparências. Falar com naturalidade sobre diversidade nunca foi uma obrigação — foi consequência do lar em que cresci. Suas atitudes ecoam na minha prática profissional e no meu jeito de viver. Por onde passaste, deixaste afeto. E isso nunca será esquecido.
Com todo o meu amor,
Marisete Vieira.
🪶 Dedico esta carta a Rita Maria da Conceição, minha mãe, que hoje habita outro plano, mas segue viva em mim — no meu olhar, na minha escuta e na forma como escolho existir.
